Maricá, a Sherwood do Rio de Janeiro, vira referência na formação de atletas do tiro com arco

Seduzidos pela magia da ficção. Assim pode até começar a trajetória de um arqueiro, inspirado pelas aventuras de Robin Hood — ou do semelhante que o valha na era digital. Mas se o alvo for virar um atleta de ponta, é preciso mirar a realidade. E ela está em Maricá. Ao fim de uma rua pacata, no campo de 100 metros de comprimento repleto de árvores, e que parece extraído da famosa Sherwood, está o Maracanã do tiro com arco, modalidade que terá seu evento-teste para os Jogos realizado no Sambódromo esta semana. Nenhum lugar do Brasil é, ao mesmo tempo, berço de Marcus Vinícius D’Almeida, esperança brasileira nas Olimpíadas, local de treino da seleção russa e ponto de partida para Sarah Paixão, de apenas 9 anos, dar as suas primeiras flechadas.

Alexandre Cassiano / Agência O Globo
A intensidade do impacto durante a saraivada de disparos nos alvos a 5, 30 e 70 metros indica o grau de dificuldade em cada etapa da evolução. Nas pontas extremas de uma fileira alinhada com mais de 50 arqueiros encontram-se os iniciantes e os experientes. Medalha de bronze nos Jogos de Seul-1988, o russo Vladimir Esheev, presidente da Federação Russa, e vice presidente da união dos arqueiros da Europa, treinava sua equipe e se disse impressionado.

— O caminho é este. O centro de treinamento é bem estruturado e reúne as condições para que os atletas desenvolvam suas técnicas — disse o técnico.

‘CIDADE SEM ATRATIVOS’

O Brasil nunca ganhou uma medalha no tiro com arco. Só por isso, o interesse dos mais jovens pelo esporte em Maricá pode ser considerado um fenômeno. E começou bem antes de Marcus Vinícius, 17 anos, conquistar a prata nos Jogos Olímpicos da Juventude, na China, em 2014. Na última quarta-feira, ele bateu o recorde brasileiro durante a etapa da Copa do Mundo, em Medellín, na Colômbia, com 670 pontos. É o maior atleta do país na modalidade. E o filho ilustre de Maricá.

— Maricá é uma cidade sem atrativos. E o arco virou a atração. Há uma certa magia no começo, se veem como Robin Hood, estas coisas de criança. Depois, aprendem que só é possível evoluir com muito trabalho — disse Dirma Miranda, 17 vezes campeã brasileira, desde 2009 na coordenação técnica de Maricá, e considerada a segunda mãe de Marcus Vinícius:

— O trabalho aqui é transformar estes jovens em atletas de alto rendimento para colocá-los na seleção.

A primeira peneira foi feita nas escolas municipais, com demonstrações em aulas práticas. Os mais talentosos eram encaminhados ao CT, até que ele se tornou um imã para jovens de Maricá e de outros municípios. Aos 14 anos, Françoise Villeneuve, que mora em São Gonçalo, é considerada a próxima revelação de Maricá. Inspirada, aos 10 anos, pelo jogo de vídeo game “MapleStory”, no qual uma das personagens é arqueira, ela começou a treinar e a competir com atletas mais experientes. Aos 11, com apenas três meses de treino, ficou em quarto em um Brasileiro infantil. E foi a recordista brasileira outdoor com 682 pontos:

— Eu me interessei através do jogo. E fui em frente. Quero viajar e competir ainda mais para ganhar experiência.

Ao lado de Françoise, Sarah atirava a uma distância de cinco metros e, invariavelmente, acertava o centro do alvo. O interesse pelo esporte nasceu de uma aposta com o irmão.

— Eu disse a ele que acertaria o alvo. Ganhei e não parei mais. Meu sonho é ganhar uma competição — disse.

JOGOS DE 2016: HÁ VAGAS

Este espírito competitivo pôs Maricá no mapa do esporte. Nessa etapa da Copa do Mundo na Colômbia, a cidade respondeu por quase metade da equipe de nove arqueiros: Marcus Vinícius, Marcelo da Silva, Alice Guimarães e Ana Clara Machado. Marcus terminou como melhor colocado, eliminado nas oitavas, e será o único de Maricá no evento-teste, que é fechado ao público. Os outros cinco integrantes da seleção brasileira no evento foram selecionados pela CBTArco, através de critério técnico. Nas Olimpíadas, o Brasil tem seis vagas, três em cada gênero. Marcus Vinícius tem a sua garantida.

— Ele é o melhor, está na cara que vai. Os demais serão selecionados pelos resultados em uma série de provas eliminatórias de novembro deste ano a março de 2015 — explicou Eros Fauni, presidente da CBTArco.

O tiro com arco é um esporte caro e, ao contrário do lema do herói inglês da ficção, tira dinheiro de ricos e pobres, indiscriminadamente (veja quadro abaixo). Para tornar viável o centro em Maricá, a prefeitura doou o terreno, enquanto o Ministério do Esporte investe na compra dos equipamentos e nas viagens para competição. Através dos três últimos convênios com o Governo Federal, a CBTArco recebeu parcelas de R$ 969 mil, R$ 1,2 milhão e R$ 553 mil para modernizar estruturas, equipamentos e preparar atletas.


O GLOBO






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