O GOLPE - Enquanto a ficha não cai

Mauricio Pássaro - O golpe fora anunciado em pleno carnaval. Eclodiu e se uniu à folia... No meio do baile, alguns celulares tocando, gente tentando comunicar que o governo acabara de expedir um golpe. Na caixa-de-som ouvia-se “Ala-lá-ô-ô...”. E o volume, nas alturas.

- Ala-lá-ô-ô...!

- Deram um golpe!

- Ala-lá-ô-ô...! Quê??

- Um golpe, golpe, golpe!

- Um gole? Não obrigada, eu já tô legal.

Durante vários anos algumas vozes tentaram alertar para esse perigo. Um governo de ex-guerrilheiros marxistas, mesmo eleito, não consegue se conter por muito tempo, logo afloram os seus instintos mais primitivos, e donas-de-casa correm enlouquecidas para recolher suas criancinhas. A presidente, ela mesma, participara no passado de ações de guerrilha sequestrando embaixadores americanos e assaltando bancos.

Muita gente que zombava dos alertas começou a ver sua ficha caindo. Num mês, o governo aumentava o imposto. No outro, baixava decreto proibindo o crucifixo nas escolas. Depois, avançou nas mudanças, decretando que todo proprietário de alguma coisa teria de provar a função social dessa alguma coisa. Caso contrário, seria arrestada e colocada no depósito federal das coisas.

Decretou-se o regime comunista. O anúncio de um golpe, no meio do carnaval, somente para não se quebrar a tradição da leveza e da faceirice, um jeito diferente de se declarar, com alegria, festa, cores e luzes, a liberdade. Mulheres seminuas e muitos engradados de cerveja. Marchinhas, claro. Juntar meia dúzia de estudantes armados e se esconder no centro do país, em nossas Sierras Maestras, não dava mais, e muito mais prático foi insurgir democraticamente. Se os revolucionários soubessem disso antes... Não teriam que formar aquelas cansativas ligas clandestinas, antes, criariam partidos.

A presidente apareceu sorridente na televisão e vestida de colombina, com muitos confetes no cabelo. Não se aguentava de tanta felicidade, o batom carmim sujando as orelhas de tanto rir. Tentou articular uma frase inteira, sem êxito. Mas, umas duas palavras conseguiram sair de sua boca.

- Reforma política...

O golpe não veio bruscamente como sempre se achou que pudesse vir. Chegou aos poucos, devagarinho, mandato após mandato, um decreto aqui, uma resolução acolá. Veio acompanhado do aviso de um novo escândalo, criado propositadamente, que envolvia alguns bilhões de euros, só para disfarçar e não assustar ninguém, mantendo uma atmosfera de normalidade. Não houve resistência. O militante mais aguerrido da oposição, na hora do comunicado, roncava bêbado num sofá, vestido de cacique, abraçado a duas índias que também sofregamente dormiam.

A plataforma do governo era simples, descomplicada, feita assim para que todos pudessem entender, incluindo-se aqueles que ainda resistiam em acreditar que o golpe, silencioso e discreto, estava a caminho: “fazer amizade com os ricos, conquistar e controlar o voto dos pobres e repartir os bens da classe média”. Sonho do partido era fazer do Brasil um país de classe média. Mas, como não se alcançava isso, a economia não crescia e os pobres não galgavam o andar de cima, uma mente maquiavélica dentro do governo orientou para que se refizesse a tabela das classes econômicas. Por um passe de mágica, quem recebia mais de mil reais mensais passou a ser considerado classe média, a nova classe média. E a antiga classe média, perdendo o poder aquisitivo, desceu o degrau, tornando-se também um membro desta nova classe. O país, com uma classe só, precisava de um partido só – ficava mais econômico.

O novo governo corrigia então um erro histórico. Sempre se imaginou que a revolução socialista mirasse as fortunas dos ricos, mas aí é que se encontrava o equívoco. Os antigos revolucionários perceberam que o jogo democrático era mais vantajoso, prático. E que não se fazia campanha sem se gastarem algumas centenas de milhões de reais. Se prendessem o capitalista, não teriam o financiamento da revolução. Hoje nada se faz sem dinheiro. Houve uma ideia, que não foi à frente, de aproveitar o “m” amarelo da marca Mcdonald para fazer a foice da bandeira, mas a empresa financiava as campanhas do partido e disse que não ficava bem, etc. E outros projetos importantíssimos tais como a legalização do casamento entre gente e animais, e uma petição para retirar os dizeres “Ordem e Progresso” da bandeira nacional, ao mesmo tempo que insere uma nova chamada: “Fazendo os diabos”.

O comitê revolucionário emitiu comunicado garantindo que a mudança não teria mais fim, e ninguém seria capaz de imaginar onde tudo isso poderia parar. Nada era descartado. Dada a pujança desse povo carnavalesco, o país teria a vocação imperial, estenderia o seu domínio por toda as Américas, Europa, Ásia, África. O mundo seria uma extensão do Brasil, e os blocos de carnaval teriam mais espaço para o desfile, as ilhas comportariam mictórios, e todos os copos de caipirinha seriam abastecidos com o gelo da Sibéria. Brasil, uma nova China, só que maior, mais extensa, comunista.

Entretanto, com o tempo, dissidentes passaram a se organizar na clandestinidade. Grupos armados começaram a surgir, a maioria se estabelecendo na região do Centro-Oeste brasileiro. Eram classificados pelo governo como terroristas. Ações armadas contra o governo eram inaceitáveis. No passado, eram aceitáveis, mas não agora. Entrou em cena a linha dura da milícia escarlate, que reprimiu as facções clandestinas.

Muitos rebeldes morreram na luta. Houve tortura e censura. Outros sobreviveram. Entre eles, uma jovem que mais tarde despontou na política, após a reabertura do Congresso. Por algum tempo ainda, as eleições se deram com um partido único. Depois, com os ventos nobres de um governo mais aberto, foi possível o pluripartidarismo. Dois. Permitiram-se dois partidos. A moça ingressou numa prefeitura e não parou mais, chegou à presidência após três tentativas. Na quarta entrou. O partido ficou seis mandatos consecutivos no poder. Até que um dia – muitos já desconfiavam – o governo anunciou sua face anarquista. Sim, um golpe anarquista.

O golpe fora anunciado em pleno carnaval. Eclodiu e se uniu à folia...





Comentários

  1. O PMDB foi o grande vencedor das eleições de 2014. Dizer que o Brasil algum dia foi governado por socialistas é muita fantasia.

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