Artigo :: Maurício Pássaro - Zuenir Ventura tem razão: no Brasil, o surrealismo não fez grande escola nas artes, não gerou ícones, porque a própria realidade aqui já é por si mesma surrealista. Seria uma redundância imperdoável. Vejam este caso que aconteceu no bairro balneário de São José, na periferia de São Paulo.
O professor de história, André Luiz Ribeiro, mulato, 27, fazia o seu cooper costumeiro, ouvindo música. Fone nos ouvidos, André corre dez quilômetros por dia, um atleta. Mas, estava na hora e no lugar errados: um bar próximo a seu trajeto acabava de ter sido assaltado por três indivíduos.
O dono do bar e seu filho o avistaram correndo e o capturaram. Imaginem o susto: um homem ouvindo música e pensando no seu salário de professor, no reajuste que não veio, de repente, vendo e sentindo braços lhe golpeando... O professor relata que logo em seguida umas vinte pessoas o cercaram com intuito de linchamento. O intuito tomou ares de materialização. Por sorte, assustado e ferido, invocou sua condição de professor de história (pode ter achado que se tratava de sequestro, e não adianta sequestrar um professor). Um dos bombeiros teria dito: "Se você é professor de história, dê uma aula sobre a revoluçâo francesa". Buñuel jamais teria pensado nisso. André ainda teve frieza para contar que nesta revolução "a burguesia comandou uma revolta junto às causas populares". Falou por uns três minutos, relata, e perguntou se a pequena palestra era suficiente. Os bombeiros o desacorrentaram, mas não escapou de ir para a delegacia, onde ficou dois dias. Parece mentira, né? Invenção deste jornalista que vive voando em ficções... Podem consultar. Foi a repórter Julianna Granjeia, do jornal O Globo, quem escreveu.
ROTEIRO PRONTO PARA UM FILME NO ESTILO LUIS BUÑUEL
Agora vejamos. Há ingredientes generosos para uma expressão surrealista. Em primeiro lugar, como um professor consegue energias para correr dez quilômetros por dia? Já não lhe será suficiente a maratona diária de aulas, alunos rebeldes e escolas sem o básico para trabalhar decentemente? Mas, vá lá (ou voilà?), um professor precisa de saúde, adrenalina, a corrida pode ser uma cura para o estresse.
Quase duas dúzias de indivíduos o cercam como extemporâneos lumpen-revolucionários. Não era preciso tanto. Mas, é São Paulo, um trânsito terrível, sem praia, Paulo Maluf, compreensível. No RJ, André seria apenas acorrentado a um poste. Por enquanto, a ideia da guilhotina ainda não está em pauta.
O professor-corredor é salvo por bombeiros. Uma profissão cuja competência principal é a de apagar incêndios, mas vez em quando atua para capturar cobras que invadem quintais de casas à beira de terrenos florestais. Desconfiado, um dos bombeiros pede ao professor - e aqui uma forte intervenção do surrealismo - que discorra sobre a revolução de 1789.
Mas, por que logo a revolução francesa? Por que não sobre a "descoberta" do Brasil? Ou então sobre a Mesopotâmia, berço da civilização? Um bombeiro perverso, nessa hora, talvez perguntasse sobre o período cretáceo, na pré-história, as suas principais características, e André teria que inventar nomes esquisitos, na hora, pois a memória, sob pressão, não o ajudaria. E se ele fosse professor de Física? Na certa, lembraria de Einstein, a teoria da relatividade, a velocidade da luz, e seria executado na hora. Ou professor de biologia, falando de complexo de Golgi? Estava na hora e no lugar errados, mas tinha a profissão certa.
Não são estes elementos bons para se fazer um filme surrealista? Ou se escrever um livro? A aula resumida sobre a França revolucionária serviu para os bombeiros desacorrentarem André, mas não o livrou da cadeia, por dois dias.
Acho que aquela parte onde ele diz que a burguesia comandou as manifestações populares não caíram bem aos ouvidos perspicazes dos bombeiros. Onde já se viu a burguesia financiar um movimento revolucionário? Que ousadia a desse professor mulato!
Coisa da elite branca, certamente.
O professor de história, André Luiz Ribeiro, mulato, 27, fazia o seu cooper costumeiro, ouvindo música. Fone nos ouvidos, André corre dez quilômetros por dia, um atleta. Mas, estava na hora e no lugar errados: um bar próximo a seu trajeto acabava de ter sido assaltado por três indivíduos.
O dono do bar e seu filho o avistaram correndo e o capturaram. Imaginem o susto: um homem ouvindo música e pensando no seu salário de professor, no reajuste que não veio, de repente, vendo e sentindo braços lhe golpeando... O professor relata que logo em seguida umas vinte pessoas o cercaram com intuito de linchamento. O intuito tomou ares de materialização. Por sorte, assustado e ferido, invocou sua condição de professor de história (pode ter achado que se tratava de sequestro, e não adianta sequestrar um professor). Um dos bombeiros teria dito: "Se você é professor de história, dê uma aula sobre a revoluçâo francesa". Buñuel jamais teria pensado nisso. André ainda teve frieza para contar que nesta revolução "a burguesia comandou uma revolta junto às causas populares". Falou por uns três minutos, relata, e perguntou se a pequena palestra era suficiente. Os bombeiros o desacorrentaram, mas não escapou de ir para a delegacia, onde ficou dois dias. Parece mentira, né? Invenção deste jornalista que vive voando em ficções... Podem consultar. Foi a repórter Julianna Granjeia, do jornal O Globo, quem escreveu.
ROTEIRO PRONTO PARA UM FILME NO ESTILO LUIS BUÑUEL
Agora vejamos. Há ingredientes generosos para uma expressão surrealista. Em primeiro lugar, como um professor consegue energias para correr dez quilômetros por dia? Já não lhe será suficiente a maratona diária de aulas, alunos rebeldes e escolas sem o básico para trabalhar decentemente? Mas, vá lá (ou voilà?), um professor precisa de saúde, adrenalina, a corrida pode ser uma cura para o estresse.
Quase duas dúzias de indivíduos o cercam como extemporâneos lumpen-revolucionários. Não era preciso tanto. Mas, é São Paulo, um trânsito terrível, sem praia, Paulo Maluf, compreensível. No RJ, André seria apenas acorrentado a um poste. Por enquanto, a ideia da guilhotina ainda não está em pauta.
O professor-corredor é salvo por bombeiros. Uma profissão cuja competência principal é a de apagar incêndios, mas vez em quando atua para capturar cobras que invadem quintais de casas à beira de terrenos florestais. Desconfiado, um dos bombeiros pede ao professor - e aqui uma forte intervenção do surrealismo - que discorra sobre a revolução de 1789.
Mas, por que logo a revolução francesa? Por que não sobre a "descoberta" do Brasil? Ou então sobre a Mesopotâmia, berço da civilização? Um bombeiro perverso, nessa hora, talvez perguntasse sobre o período cretáceo, na pré-história, as suas principais características, e André teria que inventar nomes esquisitos, na hora, pois a memória, sob pressão, não o ajudaria. E se ele fosse professor de Física? Na certa, lembraria de Einstein, a teoria da relatividade, a velocidade da luz, e seria executado na hora. Ou professor de biologia, falando de complexo de Golgi? Estava na hora e no lugar errados, mas tinha a profissão certa.
Não são estes elementos bons para se fazer um filme surrealista? Ou se escrever um livro? A aula resumida sobre a França revolucionária serviu para os bombeiros desacorrentarem André, mas não o livrou da cadeia, por dois dias.
Acho que aquela parte onde ele diz que a burguesia comandou as manifestações populares não caíram bem aos ouvidos perspicazes dos bombeiros. Onde já se viu a burguesia financiar um movimento revolucionário? Que ousadia a desse professor mulato!
Coisa da elite branca, certamente.
A verdade é que as pessoas se impressionam muito com as aparências. Não basta ter uma profissão, é preciso parecer profissional. Eu conheço os dois lados da moeda.. Pessoas que parecem muito competentes mas são completos idiotas e pessoas muito sábias que parecem autistas. Melhor não julgar pelas aparências.
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