Por William Amaral
O Maracanã dos anos 50. |
O maior do mundo. Assim ficou conhecido o Maracanã, inaugurado em 1950 e construído para abrigar a final da Copa do Mundo do mesmo ano. Batizado com o nome de Mário Filho, jornalista pioneiro na área esportiva e que ajudou a popularizar o futebol no Brasil e, principalmente, convencer a opinião pública de que o palco da final da Copa de 50 deveria ser construído no bairro do Maracanã. Desde sua inauguração, o Maraca, como é carinhosamente chamado pelos cariocas, se transformou no principal estádio do Brasil e em um dos mais famosos do mundo. Ao longo dos anos, se caracterizou também como ponto turístico da cidade maravilhosa. Viu nascerem e brilharem jogadores como Pelé, Zico e Romário. Porém, os olhos da ganância se viraram para o Templo do Futebol e suas recentes obras de modernização serviram de máscara para interesses particulares.
Em abril de 2005, o Maracanã foi fechado e submetido a obras para adequação ao Pan-2007. Na referida reforma, o Governo Estadual gastou R$ 428 milhões para acabar com a Geral, área na qual os torcedores ficavam de pé, próximos ao gramado. O local também era conhecido por ter o preço mais barato para se assistir a um jogo. Era apenas o início da elitização do estádio.
Em outubro de 2007, o Brasil ganhou o direito de sediar a Copa-2014. Em maio de 2009, o Rio de Janeiro, assim como outras 11 cidades brasileiras, foi escolhido como uma das sedes da Copa do Mundo. Em dezembro do mesmo ano, foi anunciado um plano de obras para que o Maracanã se adequasse às exigências da FIFA. O custo, já exorbitante à época, seria de R$ 500 milhões. Como comparativo, o novo e moderno estádio da Juventus-ITA, que estava em construção neste período e foi inaugurado em 2011, custou R$ 318 milhões, tendo partido do “zero”.
Paes, Eike e Cabral: a "parceria" que tirou o Maracanã do povo. |
Já em agosto de 2010, cerca de oito meses após o anúncio do plano de obras do Maracanã, o valor máximo que o Governo aceitou pagar para a reforma subiu R$ 220 milhões. O consórcio vencedor da licitação formado por Delta, Andrade Gutierrez e Odebrecht (que venceu também a licitação para administração do estádio) topou a obra por R$ 705 milhões e venceu a única concorrente apta, a OAS. Doze dias após o anúncio do vencedor da concorrência, o empresário Eike Batista anunciou uma doação de R$ 100 milhões de reais, divididos em cinco vezes, para ajudar o Governo do Estado a implantar e manter as UPPs em comunidades carentes e dominadas pelo tráfico. Eike, que à época já era tratado como um dos principais patrocinadores e beneficiários do Governo Cabral, completou o quebra-cabeça político-empresarial do Rio, emprestando seu jatinho para o Governador curtir a festa de aniversário do dono da Delta, outra grande beneficiária da verba pública do Estado. Menos de um mês após ser definido o vencedor da licitação, o Maracanã foi fechado para o início das obras e houve também o anúncio da redução da capacidade do estádio em 10 mil espectadores, passando a abrigar 76 mil torcedores.
Já com as obras em andamento, mais exatamente em maio de 2011, o governador do Rio, Sérgio Cabral anunciou que o complexo do Maracanã seria privatizado após a Copa-2014. Nas palavras de Cabral, “não teria cabimento um estádio como o Maracanã nas mãos do poder público. O Estado tem de concentrar os esforços naquilo que é importante”. Sabe-se que o que deveria ser importante não recebe a força necessária, além do fato de o estádio sempre ter dado lucro ao Estado. Já nesse período, o Governo Estadual sinalizava com a possibilidade do custo da reforma superar R$ 1 bilhão, uma vez que a estrutura não suportaria a cobertura prevista no projeto original.
No fim de julho de 2011, o Maracanã foi confirmado como palco da final da Copa no Brasil. Poucos dias depois, o conselho consultivo do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) classificou como crime a obra de demolição da marquise do estádio, que por ser tombado, não poderia receber obras desse tipo, apenas de restauração e conservação. Passando por cima do órgão consultivo do Iphan, o Governo ordenou que as obras seguissem e, hoje, a marquise do Templo do Futebol não existe mais.
Passados alguns meses do anúncio da privatização do Maraca, mais exatamente no dia 31 de janeiro de 2012, o Governo do Rio lançou a licitação para o estudo de viabilidade econômica do Complexo do Maracanã. No dia 2 de abril, prazo final para a apresentação de propostas, a IMX, corporação criada pela junção da EBX, de Eike Batista e da IMG Worldwide, foi a única empresa a apresentar o estudo de viabilidade. Vale ressaltar que a IMX foi criada em dezembro de 2011, com o objetivo maior de controlar o estádio que abrigará a final da Copa-2014. Pelo referido estudo, a IMX faturou R$ 2,4 milhões, valor que seria pago pela empresa ou consórcio que viesse a administrar a casa do futebol carioca.
Em outubro de 2012, os moldes da licitação foram definidos pelo Governo. Neles, foram inclusos: a proibição dos clubes em disputar o processo, a obrigação do vencedor em demolir o Célio de Barros, o Júlio Delamare e o Museu do Índio, erguer centros esportivos de atletismo e natação nas proximidades do Maraca, além de reformar o Maracanãzinho. Essas obrigações exigiriam um investimento de R$ 469 milhões do vencedor da licitação. Também ficou acordado um pagamento anual de R$ 7 milhões ao Governo, pelo “aluguel” do estádio. Um valor simbólico perto do que é arrecadado anualmente somente em jogos de futebol. Dias depois do anúncio do Governo, Eike Batista afirmou que o Maracanã só seria viável com a transformação de seu entorno, o que na prática dizia que os estádios de atletismo e natação do Complexo seriam destruídos para darem lugares a museus, lojas, cafés e outros empreendimentos que poderiam ser explorados por quem vencesse a licitação de concessão do estádio. Ainda constante no estudo de viabilidade feito pela IMX, estava previsto um lucro de R$ 1,4 bilhão ao longo dos 35 anos de concessão, o que, ainda segundo o estudo, não seria possível caso o próprio Governo administrasse o Maracanã.
O protesto não teve voz na licitação do Maraca. |
Em novembro de 2012 foi a vez de o povo opinar sobre o processo licitatório do Maracanã. Na audiência pública, protocolo indispensável no processo, protestaram estudantes, atletas, índios, torcedores, pais de alunos, etc. Cada grupo com uma reivindicação a ser feita e todos com o mesmo objetivo: cancelar a licitação e a consequente elitização do espaço que um dia foi marcado por ser o encontro de todas as classes. Não houve diálogo e a audiência existiu apenas para dar satisfação a uma etapa do processo de “entrega” do Maracanã à iniciativa privada.
À esquerda, os representantes dos vencedores. À direita, os dois conformados com a "derrota". |
Passados alguns meses, o processo licitatório do Maracanã teve fim. Com apenas dois concorrentes, o consórcio formado por Odebrecht, IMX e AEG venceu o grupo formado por OAS, Stadiun Amsterdam e Lagardere Unlimited. O Governo considerou melhor a proposta técnica do primeiro conglomerado, que teve também a melhor proposta financeira. O grupo vencido na licitação não parecia mesmo querer a vitória, uma vez que no dia 9 de maio de 2013, data do anúncio do vencedor, apenas dois representantes do citado grupo estiveram presentes a reunião, contra mais de dez do vencedor. Com as cartas, devidamente marcadas, o contrato estava assinado e o Maracanã, construído e reformado com o dinheiro público, passava a pertencer àqueles que apóiam financeiramente as campanhas e os mandatos de Sérgio Cabral e Eduardo Paes, Governador e Prefeito do Rio.
Após o processo, coube ao consórcio ir atrás dos clubes para obter seu lucro e cumprir parte do contrato, que colocava como condição para a assinatura do mesmo, que dois dos quatro grandes clubes do Rio jogassem no Maracanã. Ainda no início de maio, Flamengo e Fluminense foram os primeiros procurados, mas a dificuldade na negociação com o rubro-negro levou os novos donos do estádio a procurarem posteriormente o Botafogo, que estava sem casa, interditada pela Prefeitura do Rio há cerca de um mês e meio do fim da licitação do Maracanã. Apesar de um estudo inglês contestar o relatório de interdição do Engenhão, o prefeito Eduardo Paes se manteve firme na decisão de fechar o estádio botafoguense.
Coletiva de anúncio do acordo Flu-Maracanã. |
Sem o Engenhão, os grandes clubes do Rio, com exceção do Vasco, não tinham estádio para jogar na capital do estado e se viram pressionados a fechar contrato com o Maracanã. O primeiro acordo com um grande clube foi fechado no dia 10 de julho. O Fluminense acertou por 35 anos com os administradores do estádio em moldes vantajosos para a empresa. No contrato, o consórcio se comprometeu a ajudar o tricolor na construção de seu novo CT, localizado em Jacarepaguá, em terreno, curiosamente, cedido pela Prefeitura carioca, em março de 2013. Outro fato curioso ocorreu em maio, pouco após o fim da licitação do Maracanã, quando o Fluminense passou a “contar” com uma verba proveniente de um “parceiro” misterioso para construir o CT.
Dois dias após fechar com o Fluminense, o consórcio anunciou o acerto com o Flamengo até o fim de 2013. Coincidentemente ou não, na mesma data, a Prefeitura do Rio se comprometeu a doar R$ 5 milhões para ajudar o clube no término da construção de seu Centro de Treinamento.
Após garantir a dupla Fla-Flu, o consórcio passou a mexer em questões históricas do Maracanã, como por exemplo, a série de medidas que visava “domesticar” o torcedor no estádio. Entre os “novos hábitos” pretendidos pelos administradores do Maraca, estariam: a proibição de assistir aos jogos em pé, o fim das bandeiras com mastro de bambu e também a extinção de instrumentos de bateria, como o surdo. Outra questão atacada pelo consórcio foi em relação ao lado da entrada das torcidas. O Vasco, primeiro campeão no Maracanã, teve por direito escolher o lado de entrada de sua torcida, e desde 1951, os vascaínos adentravam pelo lado direito, onde fica a UERJ. Já para o primeiro clássico, o Fluminense fez questão de mudar essa tradição e foi atendido, gerando a revolta da torcida e da diretoria cruzmaltina.
Um dia após o jogo entre Flamengo e Botafogo no Maracanã, mais precisamente no dia 29 de julho, o Governador Sérgio Cabral, pressionado pela opinião pública e convivendo com denúncias por uso irregular dos helicópteros do Estado, decidiu pela não demolição do parque aquático Júlio Delamare e do estádio de atletismo Célio de Barros e apenas uma semana depois, afirmou também que a escola Friedenreich também seria mantida no mesmo local, o que levou o consórcio a, teoricamente, repensar o negócio, uma vez que as cláusulas constantes no contrato poderiam dificultar seus ganhos. Em mais uma daquelas coincidências que só ocorrem na administração pública do Rio de Janeiro, Eike Batista, cuja empresa participa do consórcio administrador do Maracanã, cancelou as doações que fazia ao Governo apenas quatro dias após Sérgio Cabral anunciar as medidas que limitariam seu lucro.
No dia 6 de agosto, o Botafogo se tornou o terceiro clube a costurar um acordo com a concessionária que administra o Maracanã. Mesmo “avaliando” as novas condições de seu lucrativo negócio, o consórcio fechou com o Botafogo por 35 anos, em moldes semelhantes aos do Fluminense. Já no dia 14 de agosto, os novos donos do Maraca afirmaram que continuariam a frente do estádio, o que não surpreendeu ninguém, já que o mais famoso estádio brasileiro sempre deu lucro.
A faixa estendida pela torcida do Flamengo. A revolta seguirá após o acordo com o consórcio? |
Pedra no sapato do lucro dos novos donos do Maracanã, o Flamengo teve diversos problemas de relacionamento com os mesmos, que não atendiam aos pedidos dos dirigentes do clube. Curiosamente, no dia 28 de agosto, a “torcida” rubro-negra se alinhou à diretoria e estendeu uma faixa no estádio, onde atacava a empresa responsável pela maior parte do consórcio. Ainda esperando os R$ 5 milhões prometidos pela Prefeitura em julho, o presidente do Flamengo se reuniu com o Governador, os presidentes de Vasco, Fluminense e Botafogo e com representantes da concessionária, para tentar um acordo que beneficiasse a todos. Assim, no dia 2 de setembro, Sérgio Cabral passou a intermediar a relação Flamengo-consórcio. Nove dias depois, ambas as partes chegaram a um acordo e o clube rubro-negro anunciou que faria todos os jogos do returno do Campeonato Brasileiro no Maracanã, amparado por cessões por parte da concessionária.
Os "geraldinos" não têm mais vez no novo Maracanã. |
Modernidade de M !
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