Barbosa chega à presidência do STF em meio à fama e à tensão com colegas

João Fellet - Primeiro presidente negro do Supremo, ele é relator do julgamento do mensalão, no qual já condenou 22 dos 25 réus que tiveram seus casos analisados até agora, entre os quais o ex-ministro José Dirceu.

Sua postura tem sido elogiada nas ruas: no último domingo, enquanto votava no Rio, Barbosa foi abordado por moradores que queriam ser fotografados ao seu lado.

Nos últimos dias, o ministro ainda estampou capas de revistas e foi citado por jornais estrangeiros. Para o “New York Times”, ele está emergindo do julgamento como uma espécie de “herói político”.

As posições de Barbosa no processo têm sido acompanhadas pela maioria dos ministros. O placar folgado das votações, porém, contrasta com as tensas relações que Barbosa mantém com alguns membros da corte.

Durante o julgamento, ele já trocou farpas com dois colegas: o revisor do processo, Ricardo Lewandowski, e o ministro Marco Aurélio Mello.

Num dos bate-bocas entre o relator e o revisor, Marco Aurélio interveio em defesa de Lewandowski e disse que Barbosa não estava “respeitando a instituição”.

Posteriormente, o ministro afirmou a jornalistas que estava preocupado com a perspectiva de que Barbosa assumisse a Presidência da corte.

Em resposta, Barbosa insinuou que o colega ingressara no Supremo por ser primo do ex-presidente Fernando Collor, que o nomeou.

Apesar da preocupação expressa por Marco Aurélio, Barbosa foi eleito pelos colegas presidente do órgão nesta quarta-feira sem qualquer contestação. A tradição do Supremo recomenda que a presidência da corte seja ocupada pelo ministro há mais tempo na casa e que ainda não tenha ocupado o cargo.

Nomeado para o STF em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Barbosa, de 58 anos, assumirá a presidência do tribunal em 22 de novembro, quando o atual ocupante do cargo, Ayres Britto, completará 70 anos e se aposentará. Barbosa ficará no posto por dois anos.

Infância pobre 

Nascido em Paracatu (MG), ele se formou em direito na Universidade de Brasília e fez mestrado e doutorado na Universidade de Paris-II.

Barbosa é professor licenciado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor de dois livros sobre direito – um sobre o funcionamento do Supremo, editado na França, e outro sobre o efeito de ações afirmativas nos Estados Unidos.

Antes de ingressar na corte, o ministro ocupou diversos cargos na administração federal, entre os quais o de procurador da República (entre 1984 e 2003), chefe da consultoria jurídica do Ministério da Saúde (1985-88) e oficial de chancelaria do Ministério das Relações Exteriores (1976-1979), chegando, inclusive, a servir na embaixada do Brasil na Finlândia.

Críticas e discussões

Antes do julgamento, Barbosa já se envolvera em outras discussões com membros da corte e fora objeto de comentários depreciativos de colegas.

Barbosa já teve discussões acaloradas
 com outros ministros do STF,
como Ricardo Lewandowski
Em 2007, a ministra Carmen Lúcia foi flagrada por jornalistas ao enviar uma mensagem para Lewandowski em que citava a nomeação de Barbosa para a relatoria do processo do mensalão: “Esse vai dar um salto social com o julgamento”, escreveu a ministra.

Em 2009, durante um bate-boca na corte, o então presidente do STF, Gilmar Mendes, afirmou que Barbosa não tinha “condições de dar lição a ninguém”. Barbosa respondeu: “Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar”.

Em outro episódio, Cezar Peluso, que deixou o Supremo no fim de agosto, disse em entrevista que o colega tinha “receio de ser qualificado como alguém que foi para o Supremo não pelos méritos, que ele tem, mas pela cor”.

Barbosa respondeu a crítica em outra entrevista. Ele afirmou que Peluso deixaria a “imagem de um presidente do STF conservador, imperial, tirânico, que não hesitava em violar as normas quando se tratava de impor à força a sua vontade”.

A cor da pele de Barbosa também tem sido evocada por críticos do ministro que não pertencem ao tribunal.

Condenado no julgamento do mensalão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o ex-deputado Roberto Jefferson disse em entrevista em agosto que Barbosa fora indicado para a corte por ser negro. “Tenho para mim que (ele) foi para o STF na cota racial, e não por notório saber jurídico.”, disse Jefferson.

No livro em que conta sua experiência como conselheiro de Lula no Planalto, Frei Betto também escreveu que a cor de Barbosa influenciou sua escolha para o Supremo. Em anotação feita em 2003, ele diz que ter sido procurado pelo então ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, em busca de uma indicação de “um negro com perfil para ocupar vaga no STF”.

Segundo Betto, Lula queria nomear um negro para a Corte. “Lembrei-me de Joaquim Barbosa. O ministro ficou de convocá-lo para uma entrevista”, escreveu.

'Má fé'

Porém, para Luiz Felipe de Alencastro, professor de história do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne, dizer que Barbosa foi escolhido para o Supremo principalmente por ser negro “é uma declaração de má fé”.

“Ele é um procurador concursado e um dos raros ministros da Suprema Corte com doutorado no exterior”, diz à BBC Brasil.

Ainda que defenda as credenciais de Barbosa para ocupar o cargo independentemente de sua cor, Alencastro afirma que a Constituição brasileira favorece explicitamente a adoção de ações afirmativas que ampliem a representatividade de negros e mulheres em postos chave da administração federal.

Ele diz que a nomeação de mulheres, política intensificada pela presidente Dilma Rousseff, raramente é contestada. “Mas quando se trata de um negro, isso vira uma excentricidade, ou um absurdo".

Fonte: BBC Brasil


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