A estranha natureza Humana

     Marcelo Bessa / Contos - Certa vez, no conturbado centro do Rio de Janeiro, Hélio estacionou seu carro em cima da calçada. Na hora de ir embora, numa manobra infeliz, deixou o carro cair abalroando um outro que por ali trafegava. O motorista do outro automóvel, muito nervoso, chegou-se até ele dizendo:

     -Eu sou um simples motorista. O meu patrão é uma fera. Eu posso até perder o emprego por causa disso. Ele é coronel reformado do exército.

     Hélio tratou imediatamente de acalmá-lo, dizendo-lhe que reconhecia, desde logo, ter sido causador do acidente e que, estando com seu carro no seguro, ainda naquele mesmo dia reportaria o fato à companhia seguradora. Deu-lhe o número do seu telefone e foi embora.

     Conforme prometera ao chofer, antes de voltar para o trabalho, Hélio notificou a empresa responsável pelo contrato de seguro do seu carro.

     Naquele mesmo dia, à noite, em sua casa, o telefone tocou e foi prontamente atendido:

   
     - Gostaria de falar com o Sr. Hélio.

     - pois não, é ele.

     - Eu sou o coronel fulano, proprietário do carro que o senhor amassou hoje de manhã.

     - Ah, sim coronel, conforme prometi ao seu empregado, já reportei o fato à empresa de seguros. Basta agora que o senhor remeta cópia da documentação do carro a fim de que sejam tomadas as providências...

     - Não vou fazer nada disso. O meu chofer não passa de um idiota! Se fosse comigo o senhor teria de ressarcir o prejuízo na hora!

     - Não estou entendendo, coronel.

     - O senhor já vai entender. Vou mandar o meu carro para a oficina mais cara e, posteriormente, vou apresentar-lhe a conta. Se o senhor não pagá-la, vamos brigar!

     Bastante perplexo com aquela reação extemporânea, ainda assim, Hélio, não se deixou intimidar.

     - Coronel, se eu pago seguro contra terceiros é para que a empresa arque com as despesas. Se tivermos de brigar...

     - Veremos. O senhor terá notícias minhas muito brevemente.

     Hélio desligou o telefone meio que apreensivo. Todavia, nunca mais voltou a ser incomodado pelo coronel. Nem a empresa de seguros ele procurou.