Sessão de Materialização

  Um Conto de Marcelo Bessa

     Hélio, certa vez, foi convidado, por um amigo, para assistir uma sessão de materialização em Copacabana. Como era interessado no assunto, resolveu aceitar o convite e dispôs-se a acompanhá-lo, a fim de que pudessem trocar idéias sobre o que posteriormente iriam ver.
     A reunião aconteceu num apartamento modesto de sala, saleta, onde ficaria a médium, uma senhora franzina e pálida e, supunha-se, mais dois quartos.
     Tão logo chegavam, cerca de quinze pessoas, iam recebendo uma espécie de ficha redonda amarrada a um barbante, que, à maneira de um colar, deveriam colocar em volta do pescoço. Ao lado direito de Hélio, sentou-se uma senhora a quem os demais participantes costumeiros incumbiram de redigir uma ata.
     Mal sopitando a sua curiosidade, pôde notar que as janelas estavam forradas de cobertores a fim de impedir que qualquer raio luminoso proveniente da rua pudesse penetrar no recinto. Assim, quando as luzes se apagaram, baixou uma escuridão que o impedia de ver até a ponta do seu nariz. Lembrou-se de ter aproximado as mãos dos olhos, quase tocando-os e nada ter podido distinguir. Visíveis apenas eram as várias fichas fosforescentes em torno do pescoço de cada assistente: uma forma talvez de saber se os presentes permaneciam nos seus lugares.
     De repente, deu-se a primeira aparição. Segundo alguém relatava, uma espécie de animador, tratava-se de um monge. Um crucifixo iluminado, bem ao alto, caminhava para lá e para cá. O monge mesmo ele não viu, pois, como já narrei, a escuridão era total. Em seguida, estaria passeando diante deles uma bailarina espanhola. Um dos colaboradores da sessão, colocava umas músicas pra tocar, num aparelho de 'cd', ao fundo da sala. Assim, ouviam uma música flamenga, enquanto a moça, digo, o espírito, naquele momento, materializado, vibrava com graça, imaginavam, castanholas ao ritmo da música. O animador, exultante de alegria, exclamava: - como ela está linda hoje!
     Na escuridão impenetrável, Hélio apertava seus olhos, mas nada conseguia ver. No entanto, sentia que a bela espanhola não estaria a mais de dois metros dele, bailando toda "salerosa".
     O terceiro espírito a materializar-se foi uma japonesinha. - Que delicadeza! Que beleza! Quanta graça! Como é bonita a sua sombrinha! Dizia o animador entusiasmado. Porém, ele, nada via, nada ouvia.
     Ao fundo da sala duas pessoas sussurravam. Com voz baixa, inclinou-se para a direita e perguntou à senhora que iria redigir a ata dos trabalhos quem eram os dois que tanto conversavam? Tratava-se de um casal de namorados, esclareceu-lhe a vizinha: ela, a namorada, viva; ele, o namorado, morto num acidente automobilístico. Aquelas sessões de materialização tornavam possível o reencontro dos amantes todas as semanas, quando tinham oportunidade de fazer planos futuros.
     Finalmente, chegou a vez de se apresentar uma francesinha. Como das vezes anteriores, a nova aparição foi brindada com aplausos e gritos de alegria por parte do anunciante:
- Como é bonita! Bela! Graciosa!
     Como das outras vezes, Hélio forçou a vista o mais que pôde, mas nada conseguiu divisar; nem mesmo um mísero movimento da francesinha.
     De repente, alguém, uma voz feminina, falou baixinho bem perto do seu ouvido:
-Vous êtes très joli, monsieur!
     Ele chegou até responder num francês execrável a várias perguntas. No lado direito dele, conforme narrei acima, estava sentada a senhora incumbida de redigir a ata; no esquerdo, de onde vinha a voz, sentara-se um homem.
     Terminada a sessão, já na rua, o amigo perguntou-lhe o que achara. Respondeu-lhe fazendo uma reflexão:
- O que leva as pessoas a construir tantas ilusões?
     Na verdade, embora Hélio estivesse convencido de que se tratara de uma fraude, pôde notar, quando as luzes se acenderam, que a dona do apartamento, a senhora que secretariava os trabalhos e outros participantes assíduos das reuniões eram pessoas bem intencionadas. A moça que conversava com o noivo já falecido, aliás, muito bonita, estava certamente imbuída de que se encontrava com o amado todas as  semanas.
     A sua indagação pairava ainda no ar. Seria a solidão das grandes cidades que faz com que as pessoas se entreguem à mentira?
     Naquela noite, convenceu-se de que um grupo, escondido em outra parte do apartamento, desempenhava papéis vários. Mas, não conseguiu atinar com os objetivos, pois ninguém pediu-lhes coisa alguma.
     Como não voltara mais às reuniões, não pôde ampliar suas observações.

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