Um conto de Marcelo Bessa
Cada qual guarda, bem dentro de si, um medo insuportável. Uns, de acordar um dia, no meio da noite, e dar com uma ratazana em cima do peito ameaçando comer-lhes o nariz. Outros, que uma lacraia lhes penetre o ouvido quando estão dormindo. Na realidade, é infindável a relação de fobias que infestam a imaginação dos homens.
O grande receio de Teobaldo, que o faz tremer e suar frio, é o de ver-se obrigado a rastejar, por alguma razão imprevista, por um cano escuro, apertadíssimo, de ar pesado, que não lhe permita retroceder, e não encontrar a saída, ficando ali entalado para sempre.
A sensação assustadora, que angustiava Iolanda, sua mulher, levando-a quase ao pânico, era imaginar-se enterrada viva. Por isso, muitas vezes fez Teobaldo prometê-la, caso viesse a ser declarada morta, que ele só permitisse o seu enterro muitos dias depois.
- Quero ser enterrada quando não mais suportarem o mau cheiro do meu corpo; quando meus cabelos começarem a cair e meu rosto mostrar-se deformado pela podridão. Prometa-me que será assim - implorava Iolanda.
- Prometo solenemente - Dizia-lhe Teobaldo sorridente.
Há quatro anos, como sempre faziam durante o verão, iam passar alguns dias num hotel fazenda em Petrópolis. Chovia torrencialmente. Pouco antes da derrapagem do carro, que iria lançá-los no abismo e num mar de sofrimento, Iolanda havia afrouxado o cinto de segurança, baixado o banco e cochilado.
Teobaldo esteve desacordado durante quatro dias. Ficou totalmente imobilizado, pois tivera várias fraturas: pernas, bacia, o ombro esquerdo, cinco costelas, um corte profundo na cabeça e a mandíbula desarticulada, o que o impedia de falar.
Iolanda não resistiu aos ferimentos, muito mais graves, morrendo no dia anterior à recuperação da consciência do marido. No enterro, imobilizado e mudo, Teobaldo contemplou, pela última vez, o rosto enxague de sua mulher, que parecia estar apenas dormindo. Alguns dos presentes suspenderam a sua maca a fim de que ele se despedisse dela antes que fosse enterrada no ataúde. Foi quando ele teve uma forte impressão de que Iolanda mexera um dedo. Lembrou-se da promessa que lhe fizera. Era preciso verificar mais acuradamente se ela estava realmente morta. Impossibilitado, porém, de falar e até de se mover, começou a emitir sons desesperados tentando impedir que o caixão fosse fechado. Mas todos mostravam-se indiferentes, ausentes à sua dor, seres sem rostos, desejosos somente de terminar logo com tudo. Foi retirado da capela e levado de volta ao hospital.
Meses depois, já totalmente recuperado, Teobaldo foi providenciar a retirada dos restos mortais de Iolanda para, segundo a tradição, depositá-los no ossário da família. A dúvida se ela estava ou não morta jamais lhe abandonou. Teria Iolanda mexido de fato o dedo? Ou foi um espasmo muscular apenas? E se o esqueleto dela for encontrado todo encolhido? Quem sabe, de bruços?
Cada qual guarda, bem dentro de si, um medo insuportável. Uns, de acordar um dia, no meio da noite, e dar com uma ratazana em cima do peito ameaçando comer-lhes o nariz. Outros, que uma lacraia lhes penetre o ouvido quando estão dormindo. Na realidade, é infindável a relação de fobias que infestam a imaginação dos homens.
O grande receio de Teobaldo, que o faz tremer e suar frio, é o de ver-se obrigado a rastejar, por alguma razão imprevista, por um cano escuro, apertadíssimo, de ar pesado, que não lhe permita retroceder, e não encontrar a saída, ficando ali entalado para sempre.
A sensação assustadora, que angustiava Iolanda, sua mulher, levando-a quase ao pânico, era imaginar-se enterrada viva. Por isso, muitas vezes fez Teobaldo prometê-la, caso viesse a ser declarada morta, que ele só permitisse o seu enterro muitos dias depois.
- Quero ser enterrada quando não mais suportarem o mau cheiro do meu corpo; quando meus cabelos começarem a cair e meu rosto mostrar-se deformado pela podridão. Prometa-me que será assim - implorava Iolanda.
- Prometo solenemente - Dizia-lhe Teobaldo sorridente.
Há quatro anos, como sempre faziam durante o verão, iam passar alguns dias num hotel fazenda em Petrópolis. Chovia torrencialmente. Pouco antes da derrapagem do carro, que iria lançá-los no abismo e num mar de sofrimento, Iolanda havia afrouxado o cinto de segurança, baixado o banco e cochilado.
Teobaldo esteve desacordado durante quatro dias. Ficou totalmente imobilizado, pois tivera várias fraturas: pernas, bacia, o ombro esquerdo, cinco costelas, um corte profundo na cabeça e a mandíbula desarticulada, o que o impedia de falar.
Iolanda não resistiu aos ferimentos, muito mais graves, morrendo no dia anterior à recuperação da consciência do marido. No enterro, imobilizado e mudo, Teobaldo contemplou, pela última vez, o rosto enxague de sua mulher, que parecia estar apenas dormindo. Alguns dos presentes suspenderam a sua maca a fim de que ele se despedisse dela antes que fosse enterrada no ataúde. Foi quando ele teve uma forte impressão de que Iolanda mexera um dedo. Lembrou-se da promessa que lhe fizera. Era preciso verificar mais acuradamente se ela estava realmente morta. Impossibilitado, porém, de falar e até de se mover, começou a emitir sons desesperados tentando impedir que o caixão fosse fechado. Mas todos mostravam-se indiferentes, ausentes à sua dor, seres sem rostos, desejosos somente de terminar logo com tudo. Foi retirado da capela e levado de volta ao hospital.
Meses depois, já totalmente recuperado, Teobaldo foi providenciar a retirada dos restos mortais de Iolanda para, segundo a tradição, depositá-los no ossário da família. A dúvida se ela estava ou não morta jamais lhe abandonou. Teria Iolanda mexido de fato o dedo? Ou foi um espasmo muscular apenas? E se o esqueleto dela for encontrado todo encolhido? Quem sabe, de bruços?
Quando se promete alguma coisa a alguém, empenha-se a própria alma. Mesmo que, no caso de Teobaldo, o beneficiário, por conta do óbito, não possa reivindicar o voto, o promitente jamais descansará em paz. "Sem dúvidas!"
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